
Imigração e saúde mental: o que se perde quando se muda de país?
Imigrar é mais do que mudar de país. É atravessar fronteiras físicas, culturais e psíquicas. É, muitas vezes, deixar para trás não apenas um território geográfico, mas também vínculos, referências identitárias e lugares afetivos. A Psicanálise, com sua escuta voltada à singularidade de cada sujeito, oferece uma lente potente para compreender os impactos subjetivos desse processo.
A travessia externa e interna
O processo migratório envolve uma mudança concreta — de casa, de idioma, de costumes —, mas também desencadeia um movimento interno profundo. Há, muitas vezes, uma vivência de luto: o luto pelo que se deixou, pelo que não se pôde viver, pelo que foi idealizado e não se concretizou (Grinberg & Grinberg, 1989).
Esse luto nem sempre é reconhecido socialmente, e pode ser silenciado até mesmo pela própria pessoa, que sente que “deveria estar grata” ou "feliz pela oportunidade". Esse tipo de luto invisível pode gerar sentimentos de inadequação, confusão identitária e sofrimento psíquico que muitas vezes não se expressa em palavras, mas em sintomas como ansiedade, depressão, sensação de vazio ou dificuldades de vínculo.
Identidade em trânsito
Na migração, a identidade entra em movimento. O sujeito se vê desafiado a reorganizar sua autoimagem, suas referências culturais e seus modos de pertencimento. A Psicanálise entende a identidade não como algo fixo, mas como algo que se constrói na relação com o outro e com a história do sujeito.
Segundo Laub e Podell (1995), experiências de ruptura como o exílio ou a imigração podem fragmentar a narrativa interna do sujeito, especialmente quando há traumas ou deslocamentos forçados. Nesses casos, a escuta analítica pode ser um espaço de reconstrução simbólica, onde o sujeito começa a costurar novamente sua história — agora marcada pela travessia.
O estranho dentro de si
A imigração também pode despertar sentimentos de “estranhamento”. O sujeito se torna estrangeiro não apenas no novo país, mas também dentro de si: seus comportamentos, desejos e até a língua podem parecer alheios. Freud, em seu ensaio O estranho (Das Unheimliche, 1919), aponta como aquilo que nos parece estranho muitas vezes tem origem em algo que nos é familiar, mas que foi reprimido ou deslocado.
Na migração, esse "estranho familiar" pode emergir com força: memórias, fantasias e afetos antigos podem se reatualizar, ativando conflitos psíquicos que até então estavam adormecidos.
A psicanálise como espaço de escuta e elaboração
A clínica psicanalítica oferece um espaço privilegiado para que o sujeito possa nomear e simbolizar essas vivências. Não se trata de “adaptar-se” ao novo país como se fosse uma exigência externa, mas de elaborar o que essa experiência representa para si: o que se perdeu, o que se ganhou, o que foi deixado e o que se deseja construir a partir dali.
Quando o processo migratório é escutado em sua dimensão subjetiva, ele pode deixar de ser apenas um deslocamento e se tornar uma travessia — que, como toda travessia, envolve riscos, mas também a possibilidade de novos sentidos.
Referências Bibliográficas
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Freud, S. (1919). O Estranho (Das Unheimliche). In: Obras Completas, Vol. XVII. Imago.
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Grinberg, L., & Grinberg, R. (1989). Psicoanálisis de la migración y el exilio. Paidós.
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Laub, D., & Podell, D. (1995). Articulating the Invisible: Witnessing Trauma in the Psychoanalytic Setting. International Journal of Psychoanalysis, 76(5), 991–1005.
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Akhtar, S. (1999). Immigration and Identity: Turmoil, Treatment, and Transformation. Jason Aronson.
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Volchan, R. (2017). Migração e psicanálise: O sofrimento psíquico no exílio. Revista Brasileira de Psicanálise, 51(2), 59–74.
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